Decisão do STF sobre candidatura de Roriz representa 1º turno antecipado
Lilian Tahan
Publicação: 22/09/2010 08:22
A contar pelo impacto que a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF) terá no processo de sucessão de poder na capital da República é possível considerar que no Distrito Federal as eleições podem ocorrer em três turnos. Um deles com o resultado previsto para hoje, quando a Corte se pronunciará sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa. A discussão que está em jogo é se a validade das regras criadas para a moralização do pleito devem ou não valer para a disputa de 3 de outubro. E o exemplo que vai nortear as dúvidas geradas em vários estados brasileiros é o de Joaquim Roriz (PSC), que teve a candidatura barrada nos tribunais eleitorais. Se o registro de Roriz for liberado no STF, será uma vitória para o ex-governador. É capaz que ele consiga levar o embate para o segundo turno. Do contrário, o concorrente do PSC estará fora da disputa e o petista Agnelo tem todos os elementos para cantar vitória antecipada, hoje mesmo.
Caso o STF resolva adiar a aplicação da Lei Complementar nº 135 — popularmente conhecida como a Lei da Ficha Limpa — com base nos princípios da irretroatividade e da anualidade eleitoral, então Roriz será automaticamente beneficiado. O grupo do ex-governador começará em seguida uma força-tarefa na tentativa de reverter o desgaste causado pelos adversários, que aproveitam as decisões da Justiça Eleitoral para desqualificar a candidatura do político impugnado. Roriz terá 10 dias, três programas eleitorais em rede de rádio e televisão e uma militância represada que será provocada a ir às ruas na tentativa de melhorar a performance do grupo azul nas pesquisas, que o apontam em desvantagem.
Apesar de o tempo ser curto, cientistas políticos ouvidos pelo Correio avaliam que dentro do contexto das eleições, o prazo é suficiente para provocar uma reviravolta no cenário atual. Professor de comunicação política da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Gaudêncio Torquato diz que uma guinada nesta altura do campeonato é mais comum entre candidatos de perfil popular. “Os políticos com essa característica, em geral, trabalham com a emoção dos eleitores e conseguem bons resultados quando investem em grandes mobilizações”, considera Torquato.
Este é exatamente o caso do ex-governador, que está pronto para adotar o discurso de vítima da oposição e espalhar aos quatro cantos do Distrito Federal que recebeu o aval do Supremo para concorrer, caso o decisão seja favorável a ele. E o que Roriz evitou durante os dois últimos meses, uma campanha de rua ostensiva, vai ser o foco até 3 de outubro.
Votação dividida
Para o professor aposentado de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB) Octaciano Nogueira, como o tema é muito controverso — o que deverá ficar explícito em uma votação dividida no STF —, dificilmente Roriz sairá do Supremo, mesmo que o resultado seja favorável a ele, com a redenção da opinião pública, que demonstra por meio das pesquisas de intenção de voto desconfiança quanto à candidatura do ex-governador. “Vale lembrar que esse projeto da Ficha Limpa é de iniciativa popular, com a assinatura de um milhão e 600 mil pessoas. Debatido há semanas no DF, muitas pessoas já têm opinião formada sobre essa questão, que tem causado muito embaraço aqui na capital”, avalia Octaciano.
Os especialistas avaliam que a decisão de hoje pode ser fundamental para estabelecer o número de etapas necessárias para definir as eleições. Uma possível derrota de Roriz no Supremo aumenta as chances de Agnelo vencer o embate ainda no primeiro turno(1), porque um eventual substituto de Roriz largará em desvantagem com um cabo eleitoral cujo potencial de transferência de votos está comprometido. Os demais concorrentes ao GDF demonstraram pouca ou nenhuma preferência dos eleitores. Assim, um fracasso de Roriz na Justiça seria como uma bandeirada de vitória nas urnas para Agnelo.
1 - Disputa
A eleição terá apenas um turno se o concorrente mais bem votado alcançar, pelo menos, um voto a mais que a soma dos votos válidos dos demais candidatos. Quando a vantagem não chega a essa marca, a eleição é realizada em dois turnos. A segunda etapa está agendada para 31 de outubro, três semanas após a primeira votação.
O número
2,5 bilhões
de votos foram apurados pelas urnas eletrônicas de 1996 a 2007
Caso pode criar jurisprudência
Há controvérsias se o caso de Joaquim Roriz poderá ou não ser usado como parâmetro para as definições de candidatos impugnados pela Justiça Eleitoral com base na Ficha Limpa. A Lei Complementar nº 135 criou parâmetros para impedir que candidatos condenados por órgãos colegiados disputem pleitos. Nesse critério, há vários tipos de situação previstas.
A de Roriz, por exemplo, é considerada bem específica. Ele foi barrado pelos tribunais eleitorais porque, em 2007, renunciou ao mandato de senador para escapar de uma possível cassação de mandato. Ele era investigado à época pela Operação Aquarela, que apurou denúncias de desvios de dinheiro do Banco de Brasília (veja quadro acima).
Inelegível
Assim, a candidatura de Roriz está pendurada na Justiça em função do artigo 2º, alínea K da lei, segundo o qual quem renuncia ao mandato para evitar cassação fica inelegível por um período de oito anos. Segundo interpretação do Tribunal Regional Eleitoral e do Tribunal Superior Eleitoral, o ex-governador só poderia voltar a concorrer a cargos eletivos em 2024, já que o mandato de senador terminaria em 2015. Estaria, nesta época, com 86 anos.
Para boa parte de juristas, o resultado sobre a legalidade da condição de Joaquim Roriz pode criar jurisprudência na análise dos outros casos semelhantes no Supremo Tribunal Federal. Mas há especialistas que trabalham com a tese de que cada ação é única, apresenta elementos distintos e deve ser avaliada em sua especificidade. (LT)
Imbróglio jurídico
14 de junho de 2007 — A Polícia Civil do Distrito Federal deflagra a Operação Aquarela. Vinte pessoas são presas por suspeita de participação em um esquema de desvio de dinheiro do Banco Regional de Brasília (BRB). Das investigações, vaza uma gravação de um diálogo do então senador Joaquim Roriz (à época no PMDB) com Tarcísio Franklim de Moura, ex-presidente do BRB. Na conversa, eles tratam da partilha de um cheque de R$ 2,2 milhões do empresário Nenê Constantino. Roriz alega ter pedido o dinheiro emprestado para quitar a aquisição de uma bezerra.
28 de junho de 2007 — O PSol apresenta uma representação por quebra de decoro contra o ex-governador à Mesa Diretora do Senado Federal.
4 de julho de 2007 — Roriz renuncia ao mandato logo após a Mesa Diretora decidir pela abertura de processo por quebra de decoro no Conselho de Ética. A estratégia impede o prosseguimento da ação que poderia resultar na cassação dos direitos políticos do ex-governador.
5 de julho de 2010 — O TRE recebe a inscrição da chapa Esperança Renovada, que tem Joaquim Roriz (PSC) como candidato ao Governo do Distrito Federal, cargo que disputa pela quinta vez.
9 de julho de 2010 — O Ministério Público Eleitoral ajuíza uma ação contra o pedido de registro de candidatura de Roriz. O ex-governador é enquadrado na Lei da Ficha Limpa, sancionada em 4 de junho, que prevê a inelegibilidade de políticos que renunciaram ao mandato para fugir de cassação. O PSol e Júlio Cárdia (PV) apresentam ação semelhante.
4 de agosto de 2010 — Por quatro votos a dois, os juízes do TRE indeferem a candidatura de Joaquim Roriz, com base na Lei da Ficha Limpa. Na mesma data, o impugnado completa 74 anos de vida.
12 de agosto de 2010 — Os advogados de defesa de Roriz ingressam com um recurso no Tribunal Superior Eleitoral para tentar reverter a decisão.
30 de agosto de 2010 — O TSE confirma a decisão da instância inferior ao barrar a candidatura por seis votos a um.
3 de setembro de 2010 — Um recurso extraordinário é interposto pelos advogados do ex-governador no TSE, mas para ser julgado pelo STF.
6 de setembro de 2010 — Para tentar acelerar a análise do tema, a defesa entra com uma reclamação no STF, alegando que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral fere entendimentos dos ministros do Supremo.
8 de setembro de 2010 — O relator da reclamação, ministro Carlos Ayres Britto, julga a ação improcedente.
10 de setembro de 2010 — Quatro dias antes da publicação da decisão de Ayres Britto, os advogados do Roriz ingressam com um agravo regimental pedindo nova avaliação da reclamação, mas pelo plenário do Supremo.
15 de setembro de 2010 – O recurso extraordinário chega ao STF e segue para parecer do Ministério Público Federal.
16 de setembro de 2010 — Ayres Britto coloca o caso na pauta de 22 de setembro para ser apreciado pelo plenário da Casa.
21 de setembro de 2010 — O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, emite parecer defendendo a aplicação da Lei da Ficha Limpa no caso do ex-governador Roriz.
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