Parlamentares passam por um dia de explicações
Um dia após o Correio divulgar como era sistematizado o loteamento de cargos no GDF para a base aliada, eles que puderam indicar seus afilhados tentam se justificar
Lilian Tahan
Publicação: 29/05/2010 07:43 Atualização: 29/05/2010 09:44
"Será que ninguém neste país sabe da existência desses cargos destinados a fazer a composição do grupo vitorioso?", diz Fraga
Para os políticos contemplados na planilha de cargos elaborada durante a gestão de José Roberto Arruda, o loteamento dos postos de trabalho entre aliados do governo é um fenômeno “natural”. Essa foi uma das palavras pronunciadas por quase todos os parlamentares ouvidos pelo Correio sobre a sistematização da barganha revelada em um organograma de controle da partilha de poder no GDF. O documento mantido em sigilo pela Polícia Federal foi encontrado em meio aos pertences do ex-chefe da Cada Civil José Geraldo Maciel durante busca e apreensão da Operação Caixa de Pandora.
Como mostrou a reportagem publicada ontem, a planilha em posse de Maciel esmiuçou o funcionou a distribuição de cargos no governo Arruda. Cada político da base de sustentação tinha direito a uma cota de indicações. A divisão se baseava em uma hierarquia, definida pelo grau de importância do parlamentar e organizada por um sistema de pontuação. Os que participaram da campanha ao lado do governador tinham mais valor, aqueles com cargo de secretário ou de administrador regional também eram mais bem aquinhoados na reserva das vagas. Mas espaço havia para todos, deputados distritais, federais, senadores, partidos aliados, suplentes e até adversários.
Constam na planilha de cargos da administração Arruda 43 políticos, entre os quais a ex-secretária de Desenvolvimento Social e Trabalho Eliana Pedrosa. Ela aparece no topo do ranking de afilhados políticos acomodados no Executivo. Segundo o documento encontrado no computador de Geraldo Maciel, a distrital influenciou na contratação de 318 pessoas durante o governo Arruda, com gasto mensal da folha de pessoal da ordem de R$ 516,1 mil.
Por meio de nota, a deputada negou que tenha indicado todas os servidores atribuídos a ela. “As nomeações, muitas feitas pelo próprio Arruda, foram necessárias para dar continuidade a projetos socais como o da distribuição de pão e leite e para manter em funcionamento as Agências do Trabalhador”, disse. Segundo alegou Eliana, as nomeações ocorreram após a exoneração de 1,2 mil empregados do Instituto Candango de Solidariedade (ICS) e de outros 800 funcionários do Instituto Nossa Senhora de Fátima (INSF).
As 113 nomeações autorizadas ao deputado Alberto Fraga fizeram dele o campeão das indicações entre os parlamentares federais. Ex-secretário de Transportes, Fraga afirmou que, estando ele à frente de uma das secretarias do GDF, era natural que tivesse a oportunidade de sugerir nomes para os cargos comissionados. “Será que ninguém neste país sabe da existência desses cargos destinados a fazer a composição do grupo vitorioso? É uma grande hipocrisia imaginar que essas indicações não acontecem ou que são absurdas. Então quer dizer que o governo tem a disponibilidade desses cargos e entrega isso para a oposição?”, reagiu Fraga.
Na avaliação do distrital Paulo Roriz, que atuou como secretário de Habitação na gestão Arruda, é normal que o governador peça aos aliados indicações para os cargos. “Só que essas nomeações não eram feitas em massa como dá a entender a tal planilha. Quando aparecia a vaga, a gente sugeria o nome.” Ele negou conhecer o sistema de cotas e de pontuação atribuídos aos distritais. Raimundo Ribeiro também comentou que a planilha não é surpresa. O distrital, inclusive, fez uma correção à quantidade de indicações atribuída a ele. “Não foram 153, foram 157. Mas essas indicações não são fruto de barganha ou de negociação. É o resultado de um grupo que construiu um projeto de governo, foi às urnas, ganhou e se tornou legitimamente apto para administrar. Nada mais natural que a ocupação dos cargos ocorra com a influência das pessoas que participaram desse processo.” Ele completou: “Muitas das pessoas que indiquei foram dispensadas, outras permanecem”. Raimundo Ribeiro foi secretário de Justiça e Cidadania no governo Arruda.
“Ganhamos o governo”
Atual presidente da Câmara, Wilson Lima (PR) alegou que é “normal” cada deputado ter o “seu quinhão” no governo. “Nós também ganhamos o governo porque somos da base, a vitória é a do grupo político.” Para Wilson, que governou por algumas semanas o DF antes da eleição indireta de Rogério Rosso, as indicações obedecem a um critério além dos interesses políticos. “Não gosto da palavra cabo eleitoral. Eu mesmo sempre escolhi pessoas competentes para indicar quando tive oportunidade e nunca briguei pelas nomeações”, justificou-se. Wilson Lima teve a chance de nomear 101 pessoas de sua confiança para trabalhar no GDF.
Em nota, o distrital Chico Leite (PT) — que, apesar de ser oposição, aparece na planilha montada pelo governo — negou haver indicado qualquer afilhado político para a administração Arruda. “Venho a público esclarecer que nunca indiquei, em tempo algum, quem quer que fosse para ocupar cargo na estrutura do GDF, governo ao qual faço oposição sistemática e principiológica, sustentada pela constante fiscalização da atuação dos órgãos e agentes administrativos e da execução financeira e orçamentária, como é de meu dever de parlamentar.”
O ex-deputado federal Sigmaringa Seixas afirmou que indicou por meio de um amigo as duas pessoas que aparecem na planilha do governo. Mas lembrou que já não era mais deputado na época e que nunca houve troca de favores em função das indicações. “Eram pessoas humildes que estavam precisando de emprego. Um amigo me pediu ajuda e eu indiquei os nomes, o que ocorre até com certa frequência. Nada além disso. E digo mais, não teria nenhuma dificuldade de repetir a minha iniciativa”, disse Sigmaringa.
O que eles alegam
“Essas indicações não são fruto de barganha ou de negociação. É o resultado de um grupo que construiu um projeto de governo, foi às urnas, ganhou e se tornou legitimamente apto para administrar. Nada mais natural que a ocupação dos cargos ocorra com a influência das pessoas que participaram desse processo.”
Raimundo Ribeiro (PSDB), deputado distrital e ex-secretário de Justiça e Cidadania
“Não gosto da palavra cabo eleitoral. Eu mesmo sempre escolhi pessoas competentes para indicar quando tive oportunidade e nunca briguei pelas nomeações.”
Wilson Lima (PR), presidente da Câmara Legislativa
“Eram pessoas humildes que estavam precisando de emprego. Um amigo me pediu ajuda e eu indiquei os nomes, o que ocorre até com certa frequência. Nada além disso. E digo mais, não teria nenhuma dificuldade de repetir a minha iniciativa.”
Sigmaringa Seixas (PT), advogado e ex-deputado federal
Opinião do internauta
Leia alguns comentários dos leitores, publicados no site do Correio, a respeito da partilha dos cargos no GDF em troca de apoio político:
Hidemburgo Bezerra
“Quando procuramos os serviços públicos, encontramos um bando de gente que não sabe nada e não faz nada — são cabos eleitorais roubando o nosso dinheiro.”
Carlos Moreira
“Anotem o nome dessas criaturas e, pelo amor de Deus, aprendam a votar!”
Maria Souza
“Mas isso é comum e legal tanto quanto no GDF como no Executivo nacional. São os cargos de confiança que cada dirigente tem o poder de escolher para compor sua equipe. Quando o dirigente sai do cargo, todos que eram da sua confiança também saem. E aí começa tudo de novo! Voltam outros, são nomeados novos.”
Hugo Filho
“Até parece que ninguém sabia. Será que o MP também não sabe que a maioria dos empregados nesses cargos só vai tirar ferias em setembro para poder trabalhar nas eleições?”
José Campos
“Quem muda a lei é o Legislativo, mas ele tem que ser provocado pela população. Ainda tem luz no fim do túnel. Façamos algo, lutemos ou, então, continua como está.”
Leonardo Santana
“O GDF está um cabaré de cego. A maioria desses indicados são incompetentes e trabalham a favor exclusivamente dos deputados que os indicam.”
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