segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Dilma diante de uma aliança delicada




Marcus Figueiredo, de O Estado de S.Paulo



Os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva serão motivo de inúmeras interpretações. Só este fato já revela a sua importância na história política contemporânea brasileira. O primeiro debate contrapõe Lula a Getúlio Vargas. Para uns, Lula revive Vargas. Para outros, não. Para estes, Lula supera Vargas.



Estou entre os que veem na era Lula uma nova macro-ordem política no Brasil. Ao contrário de Vargas que construiu uma ordem política de cima para baixo, conciliando os interesses do capital e do trabalho, ambos urbanos, caracterizada pela aliança PTB-PSD que governou o país de 1945 a 1964.



Essa aliança rompeu-se em 63 quando o PTB pareou sua força congressual à do PSD. Deu-se, então, o que ficou conhecido como "a paralisia do Congresso" por conta do confronto em torno da demanda pelas "reformas de base" opondo as duas maiores forças políticas de então.



Estava rompida a aliança capital-trabalho construída por Vargas. João Goulart, então presidente, recusou-se a reprimir as lideranças radicais do PTB, capitaneadas por Leonel Brizola, e o movimento sindical - a base popular do PTB que pressionava o Congresso. As tentativas de conciliação de Tancredo Neves, San Tiago Dantas e, finalmente, do Plano Trienal, proposto por Celso Furtado, acabaram sendo atropeladas pela radicalização entre esquerda e direita.



A eleição de Lula em 2002 vem de uma história totalmente diversa, num mundo social e político também distinto. O PT foi criado à margem do sistema partidário vigente cujos partidos remontavam às linhagenspré-64 e outros criados pela ditadura, de cima para baixo. Golbery do Couto e Silva tentou reviver Vargas estimulando novos partidos para conformar uma nova aliança capital-trabalho, com bases partidárias. Embora reconhecido como grande estrategista, seu plano não deu certo. Não estavam em seus planos o surgimento do PT nem do PDT de Brizola.



A história política recente, depois de 20 anos de democracia, acabou produzindo um sistema partidário cujos partidos têm nítidas posições. Suas práticas congressuais, suas bases sociais preferenciais, seus discursos e seus programas são de fácil classificação no eixo esquerda-direita, ainda que muitos intelectuais considerem como obsoleta essa divisão do sistema partidário na sociedade contemporânea.



É verdade que da metade do século passado para cá o radicalismo arrefeceu, mas é também verdade que o conflito fundamental na sociedade capitalista continua sendo o mesmo velho conflito entre capital e trabalho.



Hoje os nossos partidos estão alinhados tendo o PT liderando a esquerda e o PSDB e Democratas liderando a direita. As tentativas de conciliação e alianças pelo alto entre capital e trabalho desaparecem do cenário mundial no pós-guerra. Juntos desapareceram também o getulismo e o peronismo, só para ficarmos por aqui.



Em 2002, Lula apresenta-se à sociedade encarnando essa nova conjuntura histórica com objetivos e estratégias políticas novas para a alegria de uns e tristeza de outros. O objetivo era promover a aliança capital-trabalho e, para isso, o PT alia-se estrategicamente a um pequeno partido de direita, representante do capital, tendo como seu vice, José Alencar, um grande empresário. Ambos à margem das linhagens tradicionais de há muito incorporadas ao establishment.



Em seus dois mandatos, o governo Lula pautou-se pela construção da aliança capital-trabalho, claramente representada em seu gabinete. Assuntos do capital, coordenados pelo capital; assuntos do trabalho coordenados pelo trabalho.



Este trajeto relembra o trajeto construído pelos partidos socialistas e social-democratas europeus cujo resultado foi a construção da social-democracia europeia. Se o PT e o Brasil de Lula tornaram-se social-democratas será um debate que durará muito tempo, temo que sem um consenso. O fato é que o macro projeto do governo Lula caracterizou-se por três políticas fundamentais: estabilidade econômica e monetária, desenvolvimento econômico e inclusão social, com iguais prioridades.



O apoio da sociedade a esse projeto foi tão amplo que pautou as eleições de 2010. Os candidatos da oposição o absorveram de tal forma que José Serra e Marina Silva o adotaram como projeto de país. Claro, no embate eleitoral, fizeram críticas aqui ou acolá, sempre, porém, com a premissa da aceitação do projeto ao qual pretendiam apenas oferecer melhorias. Pouco produtiva essa estratégia eleitoral, como sabemos e os resultados demonstraram.



Dilma Rousseff terá pela frente uma tarefa política igualmente gigantesca. O projeto de país está desenhado e suas bases assentadas. Sua principal tarefa será consolidar esse projeto e transformá-lo em projeto de Estado e não apenas de governo. Ela terá Lula no máximo como conselheiro e aliado para controlar o PT. No dia a dia do governo e no controle de seu maior aliado, o PMDB, os conflitos estarão sempre presentes.



O PMDB não foi co-autor do projeto político que está sendo legado por Lula, mas o PT e seus aliados preferenciais, o PSB e o PC do B, sim. Embora a oposição tenha perdido força eleitoral, ela continuará politicamente forte. Dilma terá uma tarefa histórica pela frente. Sustentar uma aliança social delicada: a aliança capital-trabalho, construída de baixo para cima e não de cima para baixo. Essa aliança pode ter vida longa num ambiente de afluência. Mas, apesar de sua história distinta da do passado, a aliança social fundamental para o projeto social-democrata de hoje pode trincar aos primeiros sinais de tempestade. O conflito capital-trabalho explode na escassez. O caminho vivido no passado ainda está fresco na memória: em 54 o Brasil perdeu Getúlio Vargas, em 64, perdeu João Goulart.



Lula continuará sendo o avalista desta aliança. A ele caberá a missão de controlar os radicais de direita e de esquerda, tarefa que construiu e da qual sabe que não poderá abdicar.





Da redação Blog em 01/11/2010 10:25:30

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