segunda-feira, 30 de maio de 2011

Palocci inviabilizado, Dilma enfraquecida e Lula extrapolando: aonde é que isso vai dar?

Da redação em 30/05/2011 12:02:28



Bolívar Lamounier, revista Exame



Economista, ex-deputado e ex-ministro, o professor Delfim Netto é também conhecido por seu talento humorístico e por sua mordacidade. É dele, por exemplo, a expressão “estelionato eleitoral”, originalmente uma peça de zombaria a respeito dos resultados eleitorais de 1986.



Em 1986, para quem não se lembra, a aliança PMDB+PFL esmagou nas urnas o PDS (ex-Arena) de Delfim Netto. A aliança era à época a base de apoio de José Sarney, que virou presidente devido à morte de Tancredo Neves em abril daquele ano. O “estelionato” a que Delfim se referia foi o prolongamento do tabelamento de preços conhecido como Plano Cruzado até depois da eleição. Uma vez constatada a avalanche de votos favoráveis ao governo, Sarney proporcionou ao Plano o conveniente sepultamento e os preços voltaram a subir.



Num momento de franqueza, Delfim provavelmente admitiria que a eleição de 2010 foi um estelionato eleitoral de dimensões ainda maiores. Pela gastança do governo e pelo retardamento de medidas contra a inflação, desde logo. Pelo anúncio de obras e realizações que nunca saíram do papel, também. Mas sobre tudo pela sistemática ocultação da candidata à presidência.



Até a undécima hora, Dilma Rousseff foi uma candidata rigorosamente clandestina. Foi só na undécima hora que Lula concedeu aos cidadãos-eleitores o direito de saber alguma coisa a respeito dela. Durante quase dois anos, a imagem da super-tecnocrata ( a responsável pelos “sucessos” do governo, a “mãe do PAC” etc) foi meticulosamente construída como um puro produto de marketing. A Dilma de verdade, de carne e osso, essa passou pela cena sem dizer palavra.



Os acontecimentos dos últimos dez dias começaram a evidenciar o pleno significado e as graves implicações do fato evocado no parágrafo anterior . Durante meses, e por diferentes ângulos, os observadores mais atentos anteciparam os problemas a que a clandestinidade de Dilma Rousseff provavelmente daria ensejo.



Primeiro, a questão da governabilidade. Estaria Dilma Rousseff de fato à altura do cargo que pleiteava? À parte os seus supostos conhecimentos técnicos, teria ela condições de compensar a sua evidente inexperiência no campo político? Seria capaz de arbitrar o jogo nem sempre leal ou cordial entre os partidos que a iriam apoiar no Congresso? Em todos esses aspectos, quem a afiançava era única e exclusivamente o seu mentor, Lula; mas Lula, convenhamos, não poderia ser incluído na metade mais objetiva dos 190 milhões de brasileiros.



Juntando a possível incapacidade de Dilma com a super-popularidade e as mal-disfarçadas ambições políticas do próprio Lula, não era difícil perceber que um dilema institucional potencialmente sério ia se configurando nos desvãos da campanha. Com sua provável debilidade política, como poderia Dilma Rousseff se desprender da figura dominadora de Lula? Com que recursos – em termos de apoio social, popularidade, elementos simbólicos etc etc – poderia ela contar para tornar efetivo e não apenas jurídico o caráter unipessoal da presidência da República?



Porque, sejamos claros, a presidência é unipessoal. Tornada constitucional, a dualidade já seria uma complicação sem tamanho; informal, alheia à Constituição, ela poderia (e pode) se configurar como uma ilegalidade e até como uma crise permanente.



Uma eleição não é uma mera coleta de opiniões. Não é uma simples oportunidade para os cidadãos manifestarem suas preferências. Se assim fosse, bastariam as pesquisas. Elas resolveriam tudo, com menos incômodo e a um custo infinitamente mais baixo.



Na eleição presidencial, quando tecla o seu voto, o que o cidadão faz é decidir a quem vai entregar o comando do Estado. Entendamo-nos quanto ao significado desta expressão. Ao candidato de sua escolha, o eleitor entrega um feixe de poderes. Desde logo, o poder de representá-lo, de falar e agir em nome dele, dentro e fora do país. E obviamente o poder de decisão. O presidente terá que tomar decisões e o eleitor terá que acatá-las; poderá até ser forçado fisicamente a acatá-las, quer elas sejam ou não de seu agrado.



Quando digo “o eleitor”, quero dizer todo o corpo eleitoral. Do ponto de vista constitucional, a distinção entre vitoriosos e derrotados é irrelevante. Os derrotados participaram, legitimaram e acataram o resultado das urnas. Portanto, em 2010, não foram só os petistas, lulistas, peemedebistas ou o que seja que decidiram entregar os poderes da Presidência a uma pessoa chamada Dilma Rousseff. Fomos todos nós , os 130 milhões de eleitores.



Mas com uma condição importante. Foi a ela e somente a ela que entregamos o “office”, a magistratura presidencial. Na prática o poder nem sempre se individualiza a tal ponto, mas permitir que ele se dilua e se dualize equivale a colocar o pacto constitucional em risco.



Desde a nomeação dos ministros, Dilma Rousseff, vem dando mostras de inaptidão para o exercício unipessoal do poder que a eleição lhe conferiu. Nos últimos 10 ou 15 dias, as indicações desse tipo ganharam contornos bastante nítidos.



Evitemos. porém, um dramatismo desnecessário e fora de lugar. Ainda nem terminamos o quinto mês do governo Dilma.



O que estou dizendo – nem mais, nem menos – é que os acontecimentos da última semana trouxeram de volta, e justificadamente, algumas das apreensões que permearam a contenda eleitoral do ano passado.



Mas que fique claro: cabe à presidente e às instituições formais do Estado resolver os problemas apontados, na hipótese de eles se manifestarem de maneira persistente ou com maior profundidade.



No vigente regime constitucional brasileiro - uma república democrática de Direito-, não há espaço para a figura política de um “condestável”, um poder extra-constitucional e paralelo.

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