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Donos de colchões repletos de reais
Contabilizadas as declarações de renda dos deputados federais que concorrem nas eleições de outubro, 112 afirmam guardar dinheiro em casa, num total de R$ 17 milhões. Prática não é ilegal, mas causa estranhamento
Bertha Maakaroun
Publicação: 01/08/2010 10:22
Você guardaria R$ 10 mil em casa? Se acha pouco, que tal R$ 100 mil sob o colchão? Ainda considera pouco? O que acharia de dormir sobre R$ 1 milhão? Talvez você não cometa essa imprudência. Mas 112 dos 513 deputados federais que estão concorrendo a algum mandato nestas eleições declararam à Justiça Eleitoral manter sob sua guarda em espécie quantias que variam de míseros R$ 13,02 a R$ 1,3 milhão, que somam R$ 17.021.275, 36.
Campeão da prática, o deputado federal Aníbal Ferreira Gomes (PMDB-CE) informou ter R$ 1,3 milhão em dinheiro — o equivalente a 19% de seu patrimônio declarado de R$ 6,8 milhões. Em segundo lugar no ranking está o deputado federal José Chaves (PTB-PE): informa ter R$ 1.046.399,50 em espécie, a título de “adiantamento para aumento de capital na NTA Administração e Participações Ltda.”, além de outros R$ 30 mil em dinheiro, que correspondem a 14,15% do seu patrimônio declarado de R$ 7,043 milhões. O deputado federal Alexandre Cardoso (PSB-RJ) declarou ter R$ 1 milhão em espécie, 30,75% de seu patrimônio informado, de R$ 3,251 milhões. Da mesma forma, Renato Amary (PSDB-SP) e Bonifácio Andrada (PSDB-MG) informaram manter, nessa ordem, R$ 990 mil e R$ 850 mil em dinheiro fora do banco. O montante corresponde a 77,2% dos bens de Amary, que somam R$ 1,28 milhão, e a 8,7% do patrimônio assinalado por Andrada, de R$ 9,69 milhões.
Os valores em espécie declarados pelos 112 deputados federais variam enormemente. O menor foi informado por Bispo Rodovalho (PP-DF): R$ 13,02. Vinte e oito desses parlamentares que declararam os menores volumes(1) em dinheiro vivo mantêm até R$ 27 mil em espécie, como é o caso de Paulo Bauer (PSDB-SC). No extremo oposto, os 28 que guardam as maiores somas chegam a acumular entre R$ 175 mil, caso do deputado federal Carlos Melles (DEM-MG), e R$ 1,3 milhão, como faz Aníbal Gomes.
São Paulo, seguido por Minas Gerais — estados que têm as maiores bancadas, de respectivamente 70 e 53 deputados — apresentam o maior número de parlamentares cheios de dinheiro em casa, respectivamente 21 e 16. Um terço da bancada de 30 do Paraná e 8 dos 22 representantes do Ceará adotam o expediente(2). No Rio, há sete na bancada de 46 que informam somas em dinheiro em sua declaração.
Desvantagens
Exclusivamente sob a perspectiva das finanças, consultores ouvidos pela reportagem são unânimes: manter dinheiro vivo em casa não é racional. Além de colocar os moradores da casa sob a insegurança e a mira de assaltantes, a moeda deixa de ser remunerada por uma gama de investimentos existentes no mercado financeiro.
Em rápida projeção, Paulo Vieira, professor de economia e consultor de finanças pessoais, demonstra que R$ 17 milhões aplicados em um fundo conservador de investimento, de 1% ao mês, ao fim de um ano, com a capitalização, renderiam juros de R$ 2 milhões. “Além disso, há um processo inflacionário, ainda que baixo, mas existe. Se você começar o ano com R$ 100 mil sob o colchão, em dezembro poderá comprar apenas cerca de R$ 95 mil”, considera. “Tanto dinheiro em casa levanta indagações, pois as desvantagens com a prática são muito grandes”, acrescenta.
Os deputados que declaram acumular reservas em casa consideram a prática natural. Depois de demonstrar surpresa com o fato de em sua declaração constar R$ 1,3 milhão em espécie, o deputado Aníbal Gomes pede um tempo: “Não sei, vou falar com o meu contador”. Em seguida, ele informa: “O contador está me dizendo que esse montante é o acumulado em vários anos, de vendas de imóveis, de fazendas, meus rendimentos”. Em seguida, continua: “Mas não olho esse negócio de Imposto de Renda, não. O certo é que estou cada dia mais pobre desde que cheguei à Câmara dos Deputados”.
Ao ser informado que liderava o ranking do dinheiro em espécie da Câmara, Aníbal disse: “Graças a Deus Ele foi generoso comigo. Mas na realidade quem faz o meu imposto é o meu contador. Vou vendendo, digo o que adquiri e ele vai fazendo”. Já o deputado federal Bonifácio Andrada (PSDB-MG) justifica: “Guardei o dinheiro em casa porque tenho medo de o banco quebrar. Gosto de ter é debaixo do colchão”.
1 - Atitude curiosa
O advogado tributarista Cid Viegas Rangel afirma que não existe vantagem em manter grandes somas em casa. “O mercado financeiro nacional é estável, o sistema bancário, consistente e, por isso, a atitude desperta a atenção, mesmo que não exista nada que a proíba”, diz. Para Rangel, pode existir um candidato que não acredite na estabilidade bancária, mas essa ideia é praticamente inconcebível nos tempos atuais.
2 - Pouco racional
Apesar de contrariar as leis de mercado, ter dinheiro no colchão não é ilegal, mas a prática tem despertado curiosidade, até pelo conservadorismo do método. O procurador-geral eleitoral de Minas, Felipe Peixoto, responsável pela fiscalização das eleições de 2010, explicou que manter valores em casa não é ilegal, mas é “estranhíssimo”. Para ele, ter valores altos sob sua guarda não se justifica se consideradas a violência atual, a estabilidade financeira do país e ainda todas as facilidades bancárias.
O contador está me dizendo que esse montante é o acumulado em anos. O certo é que estou cada dia mais pobre desde que cheguei à Câmara”
Anibal Gomes (PMDB-CE), deputado federal
Guardei o dinheiro em casa porque tenho medo de o banco quebrar. Gosto de ter é debaixo do colchão”
Bonifácio Andrada (PSDB-MG), deputado federal
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