sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Brasil completa 70 anos de país do futuro


A terra que fomos e a terra que seríamos na visão do austríaco Stefan Zweig, que cunhou a expressão há exatas sete décadas

Em 1941, o Brasil tinha pouco mais de 40 milhões de habitantes – e 56% deles eram analfabetos. Quase 70% da população vivia em áreas rurais, e praticamente metade das exportações do País restringia-se a produtos agrícolas – o café respondia, então, por um terço de todos as vendas ao exterior. A faixa etária dos zero aos 14 anos representava 43% da população, e perto de um terço das pessoas de sete a 14 anos estava fora da escola. Nada que diminuísse o otimismo de Stefan Zweig: há exatamente 70 anos o escritor austríaco encasquetou que o Brasil, aquele país pobre, pouco industrializado e analfabeto de 1941 – e que vivia sob uma ditadura –, seria o país do futuro.





Zweig, um renomado escritor, publicou naquele ano “Brasil, País do Futuro”, o livro que deu ao Brasil um sobrenome. A obra é um exercício de empolgação, assombro e ufanismo com o país que recebera Zweig em 1940, um ufanismo tão ardente que chegou a ser encarado por críticos da obra como uma evidência de simpatia do austríaco pela ditadura de Getúlio Vargas.








Foto: Getty Images
                                                                 O escritor Stefan Zweig


“Fiquei fascinado e, ao mesmo tempo, comovido, pois se me deparou não só uma das mais magníficas paisagens do mundo, nesta combinação sem igual de mar e montanha, cidade e natureza tropical, mas também uma espécie inteiramente nova de civilização”, diz o escritor sobre sua chegada ao Rio de Janeiro. E não foi um desembarque qualquer: “Ele me causou uma das mais fortes impressões de minha vida”, afirmou.




E assim segue o texto, entre descrições embasbacadas sobre a imensidão do território, as possibilidades de extração de riqueza do solo, o espírito leve e desarmado das pessoas que o austríaco encontrou em suas viagens e contextualizações históricas sobre o descobrimento e a colonização do País. “Quem visita o Brasil não gosta de o deixar”, diz o texto. “Beleza é coisa rara e beleza perfeita é quase um sonho. O Rio, essa cidade soberba, torna-o realidade nas horas mais tristes. Não há cidade mais encantadora na terra.”



Há passagens curiosas. No trecho em que fala sobre a vivacidade dos brasileiros, Zweig afirma que os habitantes, “sob a influência imperceptivelmente depressiva do clima, desenvolvem menos força impulsiva, menos veemência, menos dinamismo (...)”. Nos dias de hoje, se lido com uma lupa politicamente correta, o trecho poderia ser encarado como a conclusão de Zweig de que o calor deixa os brasileiros lentos, preguiçosos. O escritor queria, isso sim, exaltar essa maneira peculiar de o brasileiro encarar a vida: “Mas nós (europeus) que experimentamos na nossa própria sorte as terríveis consequências (...) dessa avidez e ganância de poder, sentimos que essa forma mais suave e mais serena da vida é um benefício e uma felicidade.”




A notícia de que um escritor do quilate de Zweig escreveria sobre o Brasil foi celebrada. "Stefan Zweig vae escrever um livro sobre o Brasil”, dizia a manchete de O Jornal em 22 de agosto de 1940, um dia depois do desembarque do autor, segundo reproduzido em "Stefan Zweig no País do Futuro – A Biografia de um Livro", de autoria do jornalista Alberto Dines. O austríaco, que tinha em seu círculo de amizades nomes como Thomas Mann e Sigmund Freud (com o qual ele se correspondeu por mais de 30 anos), foi autor de poemas, romances, contos e biografias. Entre suas obras estão Amok, Maria Antonieta, Erasmo de Roterdã, O Jogador de Xadrez e a autobiográfica O Mundo que Eu Vi.



Senso crítico




Ainda que seja uma coletânea de louvações, “Brasil, País do Futuro” não está livre de senso crítico sobre seu objeto de estudo. Zweig observa, por exemplo, que a saúde pública era um calcanhar de Aquiles do País. “O perigo oculto e perverso para a completa manifestação de suas energias está no estado de saúde da população”, diz o texto. “O inimigo principal ainda continua a ser a tuberculose, que rouba ao país anualmente duzentas mil pessoas”. A pobreza no interior do País, em lugares distantes de estradas de ferro e grandes centros, é outra das mazelas atestadas pelo austríaco. Esse cenário impedia que muitos trabalhadores recebessem o salário mínimo, novidade que chegara à vida nacional em 1940.



O onipresente otimismo de “Brasil, País do Futuro” torna difícil crer que, apenas 15 meses depois de desembarcar no Rio de Janeiro para escrever o livro (o autor tinha estado no País também em 1936), Stefan Zweig tenha decidido tirar a própria vida. Amargurado com o andamento da guerra na Europa, a solidão do exílio e a decepção com as críticas que recebera de quem cria que ele simpatizava com a ditadura de Getúlio Vargas, o judeu Zweig e sua esposa, Lotte, suicidaram-se em Petrópolis em 22 de fevereiro de 1942, na casa que ele escolhera para morar apenas cinco meses antes.




“Brasil, País do Futuro” via possibilidades infinitas de o Brasil se desenvolver econômica e socialmente, mas o tema central do livro é outro, segundo o próprio autor: o da possibilidade de um país se desenvolver sem guerras. “Como poderá conseguir-se no mundo viverem os entes humanos pacificamente uns ao lado dos outros, não obstante todas as diferenças de raças, classes, pigmentos, crenças e opiniões?”, questiona o austríaco. E ele mesmo responde: “A nenhum país esse problema, por uma constelação particularmente complicada, se apresenta mais perigoso do que ao Brasil, e nenhum o resolveu duma maneira mais feliz e mais exemplar do que a pela qual este o fez (...) O Brasil resolveu-o duma maneira que, na minha opinião, requer não só a atenção, mas também a admiração do mundo”.





Como seria o Brasil no futuro?


Conheça a visão de Stefan Zweig sobre o Brasil de 1941 - e alguns dos prognósticos do escritor para o País

O escritor austríaco Stefan Zweig publicou, há 70 anos, o livro "Brasil, País do Futuro", obra que cunhou a expressão - que, para o bem ou para o mal, transformou-se no lugar-comum até hoje usado para definir o Brasil. Em tom ufanista, a obra discorre sobre as possibilidades que o País tinha, na visão do autor, de se desenvolver de modo diferente do ocorrido na Europa, que naquele momento (1941) era assolada pela II Guerra Mundial.




O livro não foi elaborado como um exercício de futurologia - o próprio autor apressa-se em afirmar que para ele não seria possível "expender conclusões definitivas, predições e profecias sobre o futuro econômico, financeiro e político do Brasil". Ainda assim, a obra tem lá os seus prognósticos. Conheça alguns dos pontos de vista de Stefan Zweig sobre o País em 1941 - e em quais, 70 anos depois, ele foi certeiro

1. Favelas




Trecho do livro: “Algumas das coisas singulares, que tornam o Rio tão colorido e pitoresco, já se acham ameaçadas de desaparecer. Sobretudo as ‘favelas’, as zonas pobres em plena cidade. Será que ainda as veremos daqui a alguns anos?”



Como é hoje: Mais de 1 milhão de moradores vivem em 1.020 favelas na cidade do Rio de Janeiro, segundo dados oficiais. No Brasil, o número de pessoas que moram em favelas caiu 16% nos últimos dez anos – foram dez milhões de favelados a menos no período, de acordo com a ONU.





Foto: Reprodução


Praia de São Conrado em 2010. No centro, a favela da Rocinha

2. Demografia




Trecho do livro: “Há (no Brasil) possibilidade de viver um número de habitantes que um fantasista talvez calcule melhor do que um estatístico. (...) (O País, que) hoje conta cinquenta milhões de habitantes, poderia comportar quinhentos, setecentos ou novecentos milhões (e isso) fornece uma base para se avaliar o que o Brasil poderia ser daqui a um século, talvez já daqui a alguns decênios (...)”





Foto: Reprodução


Rua dos Andradas, ou Rua da Praia, em Porto Alegre, no início do século XX



Como é hoje: No trecho, Zweig não quis fazer uma previsão, mas discorrer sobre o potencial que o enorme território brasileiro tinha de abrigar mais gente. Ainda assim, se tivesse hoje 900 milhões de pessoas, o País seria o terceiro mais populoso do mundo. Com 190 milhões, ele é o quinto.



Foto: Reprodução


Rua dos Andradas, ou Rua da Praia, em Porto Alegre, em 2010



3. Inclusão social



Trecho do livro: “(...) Milhões de pessoas não foram abrangidas nem no ponto de vista dum trabalho regulado, organizado, fiscalizado, nem no ponto de vista da civilização, e ainda decorrerão anos e decênios antes que elas possam ser ativamente incluídas na vida nacional."



Foto: Reprodução


A quadro Despejados, de Cândido Portinari, de 1934



Como é hoje: A presidenta Dilma Rousseff assumiu o cargo com a promessa de erradicar a miséria extrema (segundo os critérios do Bolsa Família, são miseráveis as pessoas que vivem com renda de ate R$ 2,30 por dia) no País. Mesmo passados 70 anos da publicação do texto de Zweig, ainda há 5,3 milhões de famílias nessa situação.




Foto: Agência Estado


Membros de uma família de Verdejante, no sertão de Pernambuco



4. Recursos naturais





Trecho do livro: “Só o futuro desvendará o que possibilidades latentes, de minerais, existem no solo. Só uma coisa é certa: é que os maiores depósitos de ferro do mundo, ainda intactos, são suficientes para abastecer durante séculos todo o globo terrestre. Dificilmente falta a este possante país uma espécie de minério, de rocha ou espécie vegetal.”



Foto: Reprodução


Oscar Cordeiro, pioneiro da exploração do petróleo no Brasil, em 1938



















































Como é hoje: “Brasil, País do Futuro” foi publicado em 1941, apenas dois anos depois da descoberta de petróleo em território brasileiro – e 12 anos antes da criação da Petrobras. O País é hoje o segundo maior produtor mundial de minério de ferro e tem 20% das reservas globais, a maior fatia entre os países produtores.



Foto: Selmy Yassuda


Extração de petróleo da camada pré-sal no campo de Tupi, na bacia de Santos



5. Logística



Trecho do livro: “Ao vencer (com os avanços da aviação) as enormes distâncias do seu gigantesco território, essa magna dificuldade do problema econômico do Brasil já estará propriamente resolvida no ponto de vista teórico e em via de resolução no ponto de vista prático.”




Foto: Agência Estado


Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em sua inauguração, em abril de 1936



Como é hoje: No Brasil, quase 60% da cadeia de transportes ainda é rodoviária. Os gargalos logísticos (com má conservação das estradas, sobrecarga de portos e aeroportos e pouco aproveitamento do potencial hidroviário e ferroviário) aumentam em até 30% o preço de um produto nas prateleiras devido aos gastos com transporte.




Foto: Agência Estado


O aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em imagem recente



6. Desigualdade social



Trecho do livro: “Essas famílias antigas — para serem antigas basta que aqui existam há cem anos — ainda não foram em seu predomínio cultural deslocadas por uma nova aristocracia da riqueza, porque elas mesmas em grande parte são ricas e aqui as diferenças são muito menos sensíveis do que entre nós na Europa.”




Foto: Agência Estado


Obras em rua do centro de São Paulo em 1939



Como é hoje: No relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) que apura o índice de desigualdade social, divulgado em julho de 2010, o Brasil aparece em décimo entre os mais desiguais em uma lista com 126 países. Na América Latina, o Brasil fica atrás apenas de Haiti e Bolívia entre os mais desiguais.



Foto: Agência Estado


Residências da favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo; ao fundo, edifícios de luxo do bairro do Morumbi



7. Ascensão da classe média



Trecho: “Por cima dessa massa amorfa espalhada por todo o país, a qual, em grande parte, analfabeta e, em seu padrão de vida, próxima do ponto zero (...), ergue-se, aspirando intensamente a elevar-se e sempre crescente em sua influência, a classe média dos pequenos cidadãos, a classe média rural (...)”




Foto: Agência Estado


Carros na Praça Vidal de Negreiros, em João Pessoa, em 1930



Como é hoje: Em setembro de 2010, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) atestou: pela primeira vez, a classe média (com renda familiar mensal entre R$ 1.126 e R$ 4.854) passou a representar mais de 50% da população do País. O número de pessoas na classe C chegou a 94,9 milhões em 2009.



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Consumidores em feirão de automóveis: o aquecimento da indústria automobilística tornou-se um dos símbolos da ascensão da classe C



8. Mobilidade urbana no Rio de Janeiro



Trecho do livro: “Será que também os velhos bondes abertos irão desaparecer e ser substituídos por bondes modernos, fechados? Seria muito de lastimar (...). Que espetáculo, do qual nunca nos cansamos, oferecem esses bondes abertos superlotados, em cujos estribos homens vão dependurados como pingentes!”




Foto: Getty Images


Bonde no Rio de Janeiro na década de 1940 com homens "pendurados como pingentes"



Como é hoje: Para o lamento de Zweig, os bondes sumiram – mas não os homens pendurados como pingentes. O quesito transporte é uma das principais preocupações para a realização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016 na cidade.




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Mulher com criança em trem do Rio de Janeiro, em imagem de dezembro de 2009



9. A acelerada São Paulo



Trecho do livro: “(...) para descrever São Paulo (eu) precisaria ser estatístico ou economista. Às vezes tem o visitante a impressão de não estar numa cidade, mas sim num enorme local de construção. (Ele segue planos) que, dada a rapidez vertiginosa de crescimento da cidade, durante a sua execução já se mostram insuficientes.”





Foto: Agência Estado


O Mercado Municipal de São Paulo e seu entorno quase vazio



Como é hoje: São Paulo segue como propulsor do aquecido mercado imobiliário brasileiro. Os lançamentos de imóveis residenciais na cidade somaram 34 mil em 2010, ou 30% a mais que o registrado apenas quatro anos antes, segundo o Secovi-SP, o sindicato das empresas do setor.




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O Mercado Municipal de São Paulo e o entorno atual, totalmente tomado por imóveis



10. Belém, uma nova gigante



Trecho: “Em Belém, dentro de poucos anos, surgirá, terá que surgir um dos grandes centros nervosos da América do Sul, e, sobretudo quando as imensas regiões do Amazonas tiverem sido exploradas, realizar-se-á grandiosamente o sonho que Belém teve outrora, o de tornar-se uma grande capital.”


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Praça do Relógio, em Belém, na década de 1940



Como é hoje: Em 1940, Belém era a oitava cidade mais populosa do País, com 207 mil habitantes, número que representava 22,4% da população total do Pará. Em 2011, Belém é a 11ª cidade mais populosa do País, com quase 1,4 milhão de pessoas, ou 18% do número de residentes no Estado.




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Praça do Relógio, em Belém, em imagem recente



11. “Recife, cidade modelar”



Trecho do livro: “O prefeito da cidade está dando cabo dos mocambos, as choças de pretos, que acho tão românticas, e — tentativa muito digna de nota, fazendo construir para os proletários casas próprias. Eles recebem (...) casinhas claras, e aprazíveis, com luz elétrica e boas instalações sanitárias; daqui a alguns anos ou decênios Recife será uma cidade modelar.”



Foto: Reprodução


Uma organizada rua periférica do Recife em meados da década de 1940



Como é hoje: O déficit habitacional de Pernambuco é de 274 mil moradias, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, com dados referentes a 2009; mais de 60% desse contingente concentra-se no Recife e região metropolitana. O déficit pernambucano atinge 9,9% das famílias do Estado, pouco acima da média nacional, de 9,3%.



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Palafitas no Recife, em imagem de 2010



12. A fisionomia inerte de Salvador



Trecho do livro: “A Bahia é uma cidade conservadora, uma cidade fiel à tradição: (...) através dos séculos, conservou íntegra, exteriormente, sua fisionomia e, interiormente, sua tradição. A quem se aproxima da Bahia pelo mar, não se apresenta ela diferente do que o fazia no tempo dos vice-reis e dos imperadores.”




Foto: Reprodução


Salvador vista a partir da Baía de Todos os Santos na época em que, como notou Stefan Zweig, a fisionomia da cidade ainda mudava muito lentamente



Como é hoje: A visão de uma Salvador virginal, ainda exclusiva de prédios coloniais para quem a avista da Baía de Todos os Santos, já não é a mesma descrita por Zweig. Aos prédios históricos já se soma uma coleção de espigados arranha-céus.



Foto: Agência Estado


Salvador vista a partir da Baía de Todos os Santos: a fisionomia da cidade não conservou sua integridade dos séculos passados, como descreveu Stefan Zweig

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