domingo, 30 de janeiro de 2011

Lula volta ao estádio onde começou ser líder político



Lula tinha uma mania na segunda metade dos anos 70. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, o mais importante e politizado daquela época, detestava usar relógio de pulso, mas, quando ficava nervoso, perguntava as horas insistentemente antes de qualquer evento importante.






A vítima naquele 16 de março de 1980 era Djalma Bom, dirigente sindical e futuro deputado federal pelo PT e vice-prefeito de São Bernardo de 1988 a 1992. O nervosismo dominava a sede do sindicato, na ponta extrema do centro da cidade. A assembleia mais importante da greve geral do ABC do ano aconteceria naquela tarde, no estádio 1º de Maio, na Vila Euclides, colada no centro e no pé de morro que dava acesso à via Anchieta.





“Não gosto de assembleia à tarde. O pessoal chega mais agressivo, mais nervoso, e acaba rosnando mais”, disse Lula a Djalma Bom, antes de pegar o carro e percorrer os entupidos 2,8 quilômetros entre o sindicato e o estádio. Um trajeto que demorou 20 minutos para ser percorrido, para contornar as barreiras policiais e os curiosos de plantão.


Luiz Inácio Lula da Silva discursa para grevistas na Vila Euclides






Não houve incidentes. O carro parou bem antes do local e o resto do trajeto foi feito a pé. Lula, Djalma Bom, Jair Meneguelli e mais uma série de importantes dirigentes sindicais desceram ressabiados as ruelas da Vila Euclides, até conseguir chegar à portaria principal do estádio, próxima ao local onde hoje funciona o Poupatempo.





Lula parou na esquina, tomou um copo de água que não sabe de onde veio, respirou fundo e desceu uma pequena ladeira decidido a furar o mar de metalúrgicos para subir ao palanque e fazer aquele que é considerado por muitos o seu melhor discurso, aquele que definiu a sua estatura política pelos 30 anos que viriam.





Retorno ao palco









Neste domingo, 30 de janeiro de 2011, Lula, agora ex-presidente da República, retorna àquele que foi seu palco principal durante pelos menos dez anos de sua carreira político-sindical. Estará presente na inauguração das obras de ampliação do estádio às 18h e, uma hora e meia depois, deve dar o pontapé inicial da partida entre São Bernardo e Corinthians – este o seu time do coração – pelo Campeonato Paulista. É a primeira vez que um time da cidade chega à divisão principal de futebol profissional do Estado, pelo menos na idade moderna do esporte.





Naquele 16 de março de 1980, Lula discursou para pelo menos 100 mil pessoas.Era a época final da ditadura militar, mas ainda feroz, que adorava atiçar cachorros contra metalúrgicos nos protestos e “descer o ‘sarrafo’ (cassetete de madeira revestido de borracha)”.





O discurso definiu a campanha salarial daquela época e alçou Lula líder político máximo da oposição que ainda nem existia – surgiria meses depois na mesa de um restaurante famoso de São Bernardo, sob o nome de Partido dos Trabalhadores, o PT.





Segundo Djalma Bom, foram nove meses de preparação para a greve de março de 1980 – foram 215 reuniões e 300 assembleias preparatórias nas portas das fábricas nas trocas de turnos.





O metalúrgico Edilson Ferreira da Silva, o Zé do Mato, registrou suas memórias da greve no projeto “ABC de luta! Memória dos metalúrgicos do ABC”. Ele relatou que Lula falava em cima de uma mesa para os trabalhadores voltarem no outro dia. “O Lula falava: ‘Não aceitem provocação, saia daqui direto pra casa, não fiquem no bar, não fiquem no ponto de ônibus, não acreditem na imprensa só acreditem na informação do sindicato, cuidado com a matéria paga da imprensa, com a mentira do governo, com a propaganda do patrão, ele orientava pra não entrar na provocação da polícia, pra não brigar, porque o sistema estava todo armado contra nós’. Então, durante todo o tempo ele fazia esses avisos. Era emocionante pra todos que participavam desse movimento”, contou.





Prisão





Lula foi preso no dia 17 de abril de 1980. Foram 31 dias encarcerado. Perdeu o histórico 1º de Maio daquele ano, Dia do Trabalho. A Polícia Militar fez barreiras na via Anchieta e no bairro do Jabaquara, zona sul da capital, para impedir a presença de público no estádio de Vila Euclides.





Não adiantou. O estádio ficou pequeno naquele dia nublado, mas estranhamente quente para época. “Todo mundo suava, de calor e de nervoso. Muita gente apanhou da polícia nas ruas Jurubatuba e Marechal Deodoro, no centro de São Bernardo. Quem não passou na Anchieta contornou por Diadema e Santo André. Tinha gente que não acabava mais”, disse Jair Meneguelli, ex-presidente do sindicato e da CUT nacional.





Mais do que um tributo, teve gente que disse que o 1º de Maio teve ares de canonização por conta da prisão de Lula e de outros dirigentes sindicais. Naquele dia, a oposição colocou ao menos 120 mil pessoas em Vila Euclides e alçava Lula, preso em São Paulo, ao patamar de entidade política e figura máxima da oposição à ditadura.JT

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