Em 30 dias à frente do Executivo, Agnelo Queiroz percorreu oito hospitais e anunciou medidas emergenciais para resolver problemas como o fechamento do centro cirúrgico do HRC. Mas os obstáculos no setor são muitos
Juliana Boechat
Noelle Oliveira
Publicação: 30/01/2011 08:00 Atualização: 29/01/2011 23:15
No Hospital de Ceilândia, o padeiro Hugo de Brito foi carregado pelos colegas para ser atendido. Funcionários não ofereceram ajuda
As 720 primeiras horas do governo de Agnelo Queiroz (PT) foram dedicadas prioritariamente à saúde pública. Cumprindo promessa de campanha, em seu primeiro mês no comando do GDF, o governador visitou oito hospitais da rede e se deparou com a dura realidade que quem depende da rede pública já conhece há muito tempo: falta de profissionais, equipamentos quebrados e estruturas totalmente abandonadas. Pouco depois de assumir o comando do Executivo, ele declarou estado de emergência no setor e, com isso, conseguiu dar rapidez a procedimentos básicos. Algumas ações já saíram do papel, mas o desafio é grande diante do caos instalado nas unidades de saúde.
Neste primeiro mês, o governador só não fechou a Farmácia Central, onde ficam estocados os medicamentos que abastecem toda a rede, porque a atitude traria mais problemas para a população. A solução foi começar a elaborar um edital para licitar a empresa que ficará responsável pela logística dos remédios no DF. Como o problema ainda não solucionado, medicamentos cuja unidade chega a custar R$ 700 permanecem sob os cuidados de apenas um segurança, que nem sequer tem acesso ao telefone.
Enquanto faltam remédios nas prateleiras dos hospitais e prazos de validade vencem nos lotes armazenados em condições precárias e sem controle efetivo, o GDF teve de devolver aos cofres federais R$ 18 milhões que não foram aplicados na compra de medicamentos de alto custo. Os recursos deveriam ter sido investidos pela gestão passada, mas ficaram em aplicações no Banco de Brasília (BRB). Na última semana, mais de 100 processos de compra de remédios foram feitos pela secretaria. Unidades como o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), no entanto, ainda enfrentavam dificuldades nos últimos dias, como a falta de insumos cirúrgicos e anestesia.
No curto período de governo, o problema da falta de profissionais na rede já deu o primeiro passo para ser solucionado. O texto do edital que selecionará mais servidores está pronto e deve ser lançado no próximo mês. A intenção é contratar até 2 mil profissionais. Para isso, no entanto, o Executivo depende da Câmara Legislativa. O Pacote da Saúde chega à Casa na próxima terça-feira, quando os parlamentares retomam os trabalhos.
Santa Maria
O funcionamento do Hospital de Santa Maria na nova gestão, por sua vez, ainda não foi completamente definido. O GDF tem até o próximo dia 9 para apresentar um plano de retomada da unidade, a gradativa substituição dos profissionais e a contratação emergencial dos trabalhos pendentes. A Real Sociedade Espanhola foi autorizada pela Justiça a prestar serviços no hospital por mais 90 dias. Mesmo assim, o atendimento na unidade não está ao contento da população.
As medidas emergenciais tomadas pelo Gabinete de Crise, porém, já surtiram alguns efeitos. Durante a primeira quinzena, o centro cirúrgico do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) voltou a funcionar. Além disso, leitos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da unidade foram liberados após uma obra emergencial no teto da sala. As cirurgias cardíacas do Hospital de Base também foram retomadas. Aparelhos como tomógrafos estragados serão consertados — das 10 máquinas, apenas duas funcionam.
O Hran, por sua vez, recebeu autorização para instalar três novos elevadores. A área de queimados será revitalizada. O planejamento da nova gestão é que o calendário de melhorias se estenda pelos próximos 70 dias. Entre as promessas que devem ser cumpridas até o fim desse prazo está o início do terceiro turno de atendimento no Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) do Hospital Universitário de Brasília (HUB).
Infestação
Em 7 de dezembro de 2010, o centro cirúrgico do Hospital Regional da Ceilândia foi fechado para reforma. O local contava com infiltração e estava infestado de piolhos de pombo e mosquitos. A paralisação dos serviços deveria durar apenas um mês, mas caminhava a passos lentos. Quando visitou o hospital, em 5 de janeiro, o governador Agnelo Queiroz (PT) prometeu acelerar os trabalhos. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde, a obra foi concluída sete dias após a promessa.
Fique de olho
UTIs
» Em 4 de janeiro, o governo prometeu desembolsar R$ 10 milhões dos R$ 103 milhões reclamados pelos hospitais privados. O montante foi pago no último dia 19.
Hospital de Base
» Em 10 de janeiro, a promessa era a liberação imediata de R$ 3,1 milhões para concluir as obras do terceiro e do sétimo andares no prédio de internação da maior unidade hospitalar do DF. As obras já estão em andamento.
Hospital de Ceilândia
» Em 5 de janeiro, o governo prometeu reabrir o centro cirúrgico do HRC em 10 dias. A promessa foi cumprida no último dia 12. Com a medida, alguns leitos de UTI foram liberados.
Contratações
» Em 5 de janeiro, a Secretaria de Saúde anunciou que ia abrir edital para a contratação de profissionais para a rede pública de saúde. O texto do edital está pronto, mas depende de análise da Câmara Legislativa. Até 2 mil profissionais serão chamados.
Medicamentos
» Em 13 de janeiro, a Secretaria de Saúde disse que ia lançar, em 15 dias, um processo de licitação para contratar a empresa que será a nova responsável pelo armazenamento e pela distribuição de medicamentos na rede pública. O edital está sendo elaborado pela assessoria jurídica da Secretaria de Saúde.
Cacon
» Em 4 de janeiro, o governo prometeu iniciar, em 90 dias, o terceiro turno de atendimento no Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) do Hospital Universitário de Brasília (HUB).
Hospital do Gama
» A promessa é construir a UTI da unidade até julho, o pronto-socorro infantil até março, retomar a obra do laboratório e concluir a obra do centro cirúrgico de 30 a 60 dias
UPAs
» Em 4 de janeiro, o GDF anunciou que vai construir duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) nos próximos 100 dias.
Sofrimento para pacientes
Apesar dos investimentos feitos até agora, os pacientes ainda enfrentam muitas dificuldades nos hospitais públicos. Ontem mesmo, eles reclamavam da demora de atendimento no Hran. Situação parecida foi constatada na última sexta-feira no Hospital Regional da Ceilândia (HRC). Na sala de triagem, os funcionários informavam aos pacientes de que não havia clínico-geral para atendê-los na parte da manhã. A previsão era de que isso ocorresse por volta das 19h.
A atendente Tatiana dos Santos de Oliveira, 31 anos, chorava de dor no corpo. “Aqui é a pior coisa do mundo. Pedi para morrer, melhor que ficar aqui”, desabafou. O mal-estar era tão grande que Tatiana preferiu voltar para casa e fazer uma nova tentativa à noite. Por volta das 10h, um caminhão entrou às pressas nas dependências do HRC. O padeiro Hugo Fernandes de Brito, 28 anos, havia desmaiado no veículo com sintomas de asma. Quando o motorista Ildemar Cesar Lopes, 46, estacionou em frente ao portão da emergência, nenhum funcionário da instituição ofereceu ajuda. Nervoso, Ildemar tomou a iniciativa de buscar a única maca disponível dentro do prédio para ajudar o colega. “Pedi para alguém trazer a maca e ninguém veio ajudar”, disse.
Minutos antes de Hugo chegar ao hospital, a maca utilizada para emergências estava ocupada por um paciente psiquiátrico. Pessoas que circulam pelas dependências do centro de saúde informaram que o homem havia chegado lá de madrugada e recebido medicamento. Mas, em vez de ir embora, dormiu no colchão vazio. Quando acordou, por volta das 11h, fez suas necessidades básicas no corredor de passagem. Parte da sujeira permaneceu no chão por um longo tempo. “Se uma infecção tomar conta do hospital, não salva um”, desabafou um profissional que preferiu não se identificar. Segundo ele, quatro mulheres esperavam para ter o filho no Centro Obstétrico. Por falta de espaço, elas tentavam aliviar a dor das contrações nos bancos de madeira do corredor.
Falta de espaço
A falta de espaço obrigou a dona de casa Janaína da Silva Rodrigues, 38 anos, a procurar ajuda no Hospital Regional de Taguatinga. Grávida de seis semanas, sentia dor e o sangue escorria entre suas pernas. Desesperada, a irmã passou à frente da longa fila de espera e pegou uma ficha de atendimento. “Minha gravidez é de alto risco e o médico me mandou ir para casa tomar remédio e repousar. Hoje (sexta) não deu mais. Me sinto humilhada”, disse Janaína. Relatos de pacientes desenharam um cenário de caos no HRT. “Não dá nem para andar lá dentro. Os pacientes estão um em cima do outro”, disse uma mulher. (JB)
Quatro perguntas para
Rafael Aguiar Barbosa, secretário de Saúde do DF
Como o senhor avalia esses primeiros 30 dias à frente da Secretaria de Saúde? O volume de problemas encontrados nas visitas feitas pelo Gabinete de Crise às unidades da rede surpreendeu a nova gestão?
Esses primeiros 30 dias foram de trabalho árduo e incessante, mas não se resolve um problema do tamanho que encontramos em 30 dias. Algumas ações levam mais tempo que outras, pois dependem de análises profundas de processos e contratos. Apesar disso, já podemos observar avanços importantes, como a reabertura de centros cirúrgicos, a recuperação de tomógrafos e a impermeabilização de áreas que agora podem servir para ampliação do número de leitos da rede pública.
Nesse segundo mês, quais serão as prioridades? O senhor acredita na agilidade da Câmara para votar o Pacote da Saúde e possibilitar a liberação do edital que vai selecionar os novos profissionais para a rede?
Os pontos elencados pelo governador são fundamentais para melhorar o atendimento ao cidadão, bem como as condições de trabalho dos profissionais e servidores. A prioridade da Secretaria de Saúde será a conclusão das reformas anunciadas. Acreditamos na sensibilidade e contamos com a ajuda dos parlamentares para, juntos, resolvermos os problemas encontrados.
Com relação ao abastecimento de medicamentos na rede, qual a situação atual? A secretaria não fez nenhum contrato emergencial, como está resolvendo as demandas?
Essa situação está bem encaminhada. Só essa semana foram assinados mais de 100 processos de compra de medicamentos. O GDF e a Secretaria de Saúde tratam essa questão com todo o cuidado necessário. Com as farmácias abastecidas, o atendimento ao paciente é normalizado e o tempo gasto pelo cidadão é menor. Estamos atendendo às demandas em ritmo acelerado para que não falte nenhum medicamento nos hospitais e postos de saúde.
Com as mudanças, em quanto tempo o senhor espera que já seja possível perceber um melhor atendimento e a estruturação na rede pública de saúde do DF?
As mudanças já surtem efeito, mas com a informatização das agendas médicas, a marcação de consultas por telefone e as inaugurações das Unidades de Pronto Atendimento 24h, o atendimento nos hospitais será mais tranquilo e eficiente. Com o concurso público, a capacidade de atendimento dos hospitais será maior e o tempo de espera será, sensivelmente, reduzido.
OS CUIDADOS COM A SAÚDE (Cronologia)
1 de janeiro de 2011 – Horas após tomar posse, Agnelo decretou estado de emergência na saúde do Distrito Federal. Recursos materiais e humanos ficaram à disposição da Secretaria de Saúde para evitar burocracias.
2 de janeiro – A Secretaria de Saúde ganhou independência com relação à Central de Compras do Governo do Distrito Federal. Dessa forma, pode cuidar diretamente dos trâmites legais para a aquisição de medicamentos, material hospitalar e medicamentos.
3 de janeiro – Na primeira reunião com o secretariado, Agnelo ordenou que a atenção nos primeiros meses do governo esteja voltada para a recuperação da saúde pública.
4 de janeiro – Agnelo se reuniu com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para pedir apoio do governo federal para superar a crise no Distrito Federal. A garantia foi dada por Padilha.
O governador passou parte do dia no Hospital Regional do Gama ao lado do secretário da pasta, Rafael Barbosa. Na ocasião, eles realizaram uma vistoria na unidade para saber as prioridades a serem tomadas.
5 de janeiro – Foi a vez de Agnelo visitar o Hospital Regional da Ceilândia. Durante quase duas horas, o governador e os secretários que compõem o Gabinete de Crise conversaram sobre as dificuldades e olharam de perto a estrutura disponível.
6 de janeiro – O Diário Oficial do Distrito Federal publicou uma portaria que permite a admissão temporária, por um período de seis meses, de servidores para o Hospital Regional de Santa Maria até que o quadro de pessoal seja fechado.
Agnelo visitou o Hospital Regional do Paranoá.
7 de janeiro – Uma portaria da Secretaria de Saúde publicada no Diário Oficial do Distrito Federal ofereceu gratificação aos servidores da área que quiserem dobrar a jornada de trabalho, de 20 horas para 40 horas semanais.
10 de janeiro – Agnelo visitou as dependências do Hospital de Base do Distrito Federal e anunciou um pacote de medidas na tentativa de melhorar o atendimento no local. A primeira ação foi a liberação imediata de R$3,1 milhões para concluir as obras do centro.
Agnelo pretende criar um posto do Samu na emergência do Hospital de Base, mais especificamente no Centro de Politraumatizados. A ideia é que os socorristas do Samu não apenas deixem o paciente na porta do hospital, como é feito hoje.
17 de janeiro – Em Sobradinho, o governador encontrou obras iniciadas há 10 anos e ainda incompletas, um deficit de cerca de 300 profissionais na área de Saúde, além de equipamentos de última geração, encostados por falta de instalações físicas,
19 de janeiro – Universidade de Brasília (UnB) ficará encarregada da administração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Itapoã, que deve ser inaugurada até o meio do ano. A novidade está entre as anunciadas por Agnelo após visitar o Hospital Universitário de Brasília (HUB), na 605 Norte.
21 de janeiro – O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, visitou o Hospital Regional de Taguatinga (HRT). O Comitê da Crise passou pelos cinco andares e definiu as situações mais urgentes. Uma das prioridades, segundo o governador, é a reforma de todo o forro do hospital, que está caindo e por onde a água da chuva passa.
24 de janeiro – Agnelo visitou o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Na ocasião, Rafael Barbosa informou que R$170 milhões da União destinados à saúde do Distrito Federal no ano passado serão reutilizados ao longo dos próximos meses no Programa Saúde da Família.
PALAVRA DO ESPECIALISTA
Fátima Sousa, coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília
"Em relação às visitas aos hospitais e a criação de um comitê de crise são atitudes simbólicas do governador, mostrando que ele quer resolver os problemas de forma emergencial. Foi uma atitude acertada. Mas é preciso entender que problemas existentes há décadas podem não se resolver em 100 dias, quiçá na gestão de quatro anos. Essas promessas criam uma expectativa muito alta. É preciso que uma equipe da Secretaria de Saúde faça uma análise da atual estrutura avaliando o novo modelo de gestão a ser adotado pelo GDF, o modelo de atenção à saúde e quais parcerias são fechadas para alcançar os objetivos.
O Distrito Federal tem jeito. Mas ele cumpre simultaneamente três papeis: tem que formular, coordenar e avaliar políticas de saúde, ao mesmo tempo que deve assegurar as ações e organizar a rede básica e os hospitais. Ainda deve se preocupar com os 22 municípios do Entorno do Distrito Federal que estrangula a saúde daqui. Se o governo não resolver essa questão, será engolido pela crise.
Uma forma de melhorar a situação é implantar agentes comunitários vinculados às equipes de ajuda à família. Eles resolvem de 80% a 85% dos problemas na saúde e dão fôlego para o governo organizar uma rede de complexidade nos hospitais. Para Agnelo resolver essa questão, ele deve revitalizar as atuais unidades de saúde, dar vida a elas com equipamentos e medicamentos"
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