Candidata à reeleição, Kirchner usará encontro com Dilma para campanha
Denise Rothenburg - Enviada Especial
Publicação: 01/02/2011 08:36 Atualização:
Buenos Aires — Na primeira viagem internacional da presidente eleita Dilma Rousseff, quem surfou foi a anfitriã, Cristina Kirchner. Pré-candidata a mais um mandato na Casa Rosada e ciente da popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva e da própria Dilma no país, Cristina e os argentinos ouviram de Dilma um discurso em que a presidente brasileira falou da simbologia do encontro entre as duas primeiras mulheres eleitas diretamente em seus respectivos países e ressaltou a importância da participação de gênero e da aliança entre Brasil e Argentina. “Considero que o Brasil e a Argentina são cruciais para transformar o século 21 no século da América Latina”, disse Dilma na declaração conjunta em que as duas deixaram claro a intenção de lutar em favor dos países emergentes no cenário internacional. Mais tarde, a afirmação foi complementada com uma fala, no almoço, quando ela se mostrou determinada a continuar “combatendo o protecionismo, inclusive em matéria de câmbio”.
Nas seis horas e meia em que cumpriu agenda na capital argentina, Dilma não arriscou romper protocolos ou roteiros previamente acertados. Quem o fez foi a anfitriã. Em meio ao encontro com as Mães e Avós da Plaza de Mayo, chamou a visitante para a sacada da Casa Rosada, para desespero dos fotógrafos e cinegrafistas, do cerimonial e dos seguranças. “Vou lhe mostrar o balcón (sacada) onde Perón discursava”, disse Cristina, puxando a “amiga e companheira” para perto da porta da sacada, onde as duas acenaram para as poucas pessoas que, na praça, olhavam na esperança de ver uma imagem da presidente brasileira. Caso de Lílian Ruggia, uma psicóloga de 56 anos que, do lado de fora, tentava entregar uma carta em que pede a abertura dos arquivos da ditadura (leia detalhes abaixo).
A sós
Dilma e Cristina conversaram sozinhas por quase 40 minutos, o que atrasou a programação. Depois desse encontro e da conversa com as Mães e Avós da Plaza de Mayo, participaram de uma reunião ampliada de autoridades dos dois governos, quando foram assinados 15 documentos, entre declarações conjuntas memorandos e acordos. A maioria dos atos é apenas cartas de intenções. De ações concretas, houve o sinal verde para a construção da Usina Garabi e para os estudos da nova ponte internacional. “Na minha área foi apenas uma carta de intenções. Ainda não temos valores”, comentou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que assinou um documento para ampliação do acesso à internet de banda larga.
As duas deram seus recados mais incisivos na hora do almoço, antes do brinde, às 15h30 (16h30, hora de Brasília), depois da declaração conjunta. Cristina, que o tempo todo se referia a Dilma como “amiga e companheira”, disse que “não pode haver contradições entre mercado interno e exportação”, uma mensagem lida por muitos como um recado em relação ao câmbio e à balança comercial entre os dois países. A presidente argentina, que deve ser candidata à reeleição, falou ainda que ambas têm o mesmo objetivo: “Não queremos o crescimento econômico que não atinja os mais pobres e os esquecidos na área de saúde, educação e habitação”, afirmou. A área de educação, entretanto, não foi objeto de nenhum memorando assinado ontem.
Ao fim do almoço, Dilma seguiu para o aeroporto, onde respondeu a algumas perguntas. Uma delas, um resumo da viagem: “O que mais me impressionou foi a determinação dela (Cristina), de fazer uma aliança estratégica com o Brasil. A mesma que eu tive. Por vários motivos, Brasil e Argentina foram colocados separadamente. Houve interesse de várias nações em nos separar (…) Uma coisa fundamental na relação entre as pessoas e as nações é a confiança. Acho que hoje tem entre Brasil e Argentina uma relação de confiança”. Dilma voltou ao Brasil no início da noite.
Abertura do ano judiciário
» A presidente Dilma Rousseff participa na manhã de hoje da sessão solene de abertura do Ano Judiciário de 2011, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Tradicionalmente, os trabalhos do Poder Judiciário são abertos todos os anos em solenidade com a presença do chefe do Poder Executivo e outras autoridades como os presidentes da Câmara e do Senado. Hoje, porém, José Sarney (PMDB-AP) e Marco Maia (PT-RS) não participarão da sessão, pois no mesmo horário o Congresso estará dando posse aos novos parlamentares. Já Dilma visitará o Supremo na semana em que ela possivelmente indicará o novo ministro da Corte, que está com uma cadeira vaga desde agosto do ano passado, quando Eros Grau se aposentou.
Presentes das mães de Mayo
Um dos momentos que emocionou a presidente Dilma Rousseff foi o encontro com representantes das Associação de Mães e Avós da Plaza de Mayo, uma entidade fundada por parentes de vítimas da ditadura militar argentina. A reunião foi pedida pela presidente brasileira, que recebeu de presente um lenço branco, símbolo do movimento, e duas casas sobre rodas que prometeu levar ao Brasil. “Foi uma doação para ajudar as vítimas das enchentes”, contou a vice-presidente da Associação, Haydee Gastelu, que até hoje carrega na lapela fotos do filho desaparecido na ditadura militar e da noiva dele.
O lenço recebido pela presidente é o ícone do grupo das mulheres que há 33 anos pressionam o governo para esclarecer a morte dos filhos e encontrar netos que foram adotados ilegalmente durante o regime autoritário.
No fim da viagem, Dilma recebeu das mãos dos jornalistas uma carta entregue a pedido da psicóloga Lílian Ruggia, 56 anos, irmã de Henrique Ernesto, um dos seis argentinos reconhecidos como desaparecidos políticos durante a ditadura militar brasileira. Na carta, Lílian pede a revogação da lei da anistia, a apuração dos crimes contra a humanidade e ainda a abertura dos arquivos da ditadura “para ajudar na busca dos corpos de nossos entes queridos para que possamos enterrá-los com dignidade”, disse ela. A abertura dos arquivos, entretanto, não foi tema da reunião entre Dilma e as Mães da Plaza de Mayo. “Elas fizeram uma manifestação de imenso carinho por mim. Acho que estavam identificando em mim o que elas perderam ao longo dos anos. Uma delas disse pra mim que o sorriso de uma criança é impagável. Por isso fizeram a fundação”, disse Dilma numa rápida entrevista pouco antes de embarcar de volta ao Brasil.
Protestos pró-Battisti
A pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) não prevê o julgamento do caso do ex-ativista italiano Cesare Battisti esta semana, mas o assunto pode ser discutido a qualquer momento. A Corte retoma as atividades hoje, após o recesso do Judiciário, e o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, deve começar a analisar os autos. Nesta manhã, integrantes do Movimento pela Liberdade de Battisti se concentram em frente ao STF, às 9h, para uma manifestação a favor do ex-ativista. “Battisti é inocente e está sofrendo acusações que o descaracterizam como preso político. A permanência dele na cadeia é contraditória em relação à anistia”, afirma Rosa Fonseca, ex-presa política, uma das líderes do grupo. Ontem, os manifestantes fizeram atos em vários pontos da cidade, como na Rodoviária do Plano Piloto e na Universidade de Brasília (UnB). Acusado de quatro assassinatos na Itália na década de 1970, entre outros crimes, Battisti está preso no Brasil desde 2007.
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